Termo de Cooperação firmado entre a instituições jurídicas, representantes da cadeia produtiva e Executivo Estadual busca fomentar boas práticas para a erradicação de condições degradantes no setor rural
Ao final do mês de novembro, o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) concretizou avanço sem precedentes na luta contra o trabalho escravo contemporâneo: a assinatura do Termo de Cooperação Técnica entre instituições públicas e privadas das cadeias produtivas rurais do estado. O objetivo é implementar ações preventivas e educativas que promovam condições dignas de trabalho e erradiquem práticas análogas à escravidão, com foco nas áreas rurais, isoladas no interior do estado. O acordo foi celebrado com a Superintendência Regional do Trabalho (SRTE/MS), a Federação da Agricultura e Pecuária (Famasul), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/MS), o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional MS (OAB-MS) e a Fundação de Trabalho (Funtrab).
Por que a assinatura é um marco?
A iniciativa reflete o compromisso da aliança com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, em especial o ODS nº 8, que defende trabalho decente e crescimento econômico inclusivo. O Termo prevê a disseminação de boas práticas, a promoção de políticas públicas e o fortalecimento de medidas de fiscalização para identificar e combater irregularidades, frequentemente registradas em propriedades rurais.
O procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, coordenador regional da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), sublinhou a relevância da ação em um estado marcado por atividades agrícolas intensivas.
“Esta parceria representa um compromisso real com a dignidade humana. A escravidão contemporânea é uma realidade que precisamos enfrentar com estratégias integradas e eficazes. Nenhum desenvolvimento econômico é legítimo se for construído às custas da exploração de trabalhadores,” afirmou o procurador.
Condições degradantes: o retrato do trabalho escravo
Nos últimos anos, ações de fiscalização, capitaneadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho e com a participação do MPT, flagraram situações de extrema precariedade no ambiente rural de Mato Grosso do Sul. Casos envolvendo alojamentos improvisados, jornadas exaustivas, água imprópria para consumo e ausência de saneamento básico são exemplos de violações frequentes. Trabalhadores muitas vezes ficam presos em um ciclo de exploração, seja por dívidas impostas ou por falta de alternativas.
Essas condições contrariam o Art. 149 do Código Penal Brasileiro, que criminaliza a submissão de pessoas a trabalhos forçados ou degradantes. Além disso, a Constituição Federal prevê a expropriação de propriedades onde o trabalho escravo seja identificado.
A força da cooperação
O Termo de Cooperação não apenas reforça a fiscalização, mas também investe em capacitação e orientação. O Senar/MS, braço educativo da Famasul, desempenhará um papel fundamental junto aos produtores rurais, ajudando-os a implementar práticas de gestão mais humanas e legais.
Lucas Galvan, representante do Senar, destacou a necessidade de informar e conscientizar.
“Muitos produtores cometem infrações por desconhecimento. Nossa missão é educar para que o respeito às leis trabalhistas seja um pilar no setor agropecuário,” afirmou.
Por sua vez, a OAB-MS propôs a criação de uma certificação para propriedades que sigam as diretrizes de trabalho decente, incentivando a adoção de boas práticas e o cumprimento das normas.
Impactos e próximos passos
A inclusão de empregadores na “lista suja” do trabalho escravo – que restringe acesso a créditos e financiamentos – é uma medida já aplicada no país. Contudo, a assinatura do Termo amplia a atuação preventiva, evitando que situações cheguem a esse ponto.
O superintendente regional do Trabalho, Alexandre Cantero, apontou o impacto social dessa iniciativa:
“Quando erradicamos o trabalho escravo, transformamos realidades. Essa parceria tem o potencial de engajar mais pessoas, especialmente no setor rural, e criar um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável e justo.”
A próxima etapa será implementar uma agenda comum, com a realização de ações conjuntas, produção de materiais educativos e engajamento das comunidades rurais. O Termo também visa mobilizar outras entidades civis, ampliando a rede de enfrentamento ao problema.
Espera-se, como sublinha o procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, “que além da difusão de boas práticas o termo fomente medidas concretas e ativas no sentido de prevenir o trabalho escravo, como a criação de uma equipe volante de engenheiros e técnicos de segurança para percorrer as propriedades rurais e elaborar um diagnóstico das necessidades de melhorias ambientais trabalhistas, de modo a corrigir preventivamente as possíveis falhas e irregularidades que venham a caracterizar um ambiente do trabalho degradante e, por consequência, que leve ao resgate dos trabalhadores no caso de uma diligência das equipes de fiscalização. Queremos efetivamente prevenir!”
Um compromisso com a dignidade humana
A assinatura do Termo de Cooperação marca um avanço significativo para Mato Grosso do Sul, mas também levanta a reflexão sobre o papel de cada setor na construção de uma sociedade mais justa. A luta contra o trabalho escravo contemporâneo não é apenas uma questão de fiscalização, mas de transformação cultural e econômica. Este acordo é um passo essencial nessa jornada, evidenciando que dignidade e trabalho decente são direitos inegociáveis.